Conta-se que o tristemente célebre Diderot, ao ouvir entoar a majestosa Lauda Sion na procissão de Corpus Christi, se viu inteiramente forçado a curvar os joelhos e render adoração àquele Deus a quem negava. “Nunca pude ouvir, disse ele, aquele grave e impressionante hino entoado pelos padres e respondido por mil vozes de homens, mulheres e crianças, sem que o coração se me apertasse de estranhas e vivas emoções, e dos olhos se me rebentassem as lágrimas”.Há pouco tempo, o Papa Bento XVI pediu que se resgatasse esse tipo de canto litúrgico nas missas e foi duramente criticado, porque para muita gente isso significava um retrocesso, um retorno à velha Igreja pré-conciliar e um limite ao avanço de alguns setores eclesiais. Não concordo e tenho certeza que quem se dispuser a ouvir este estilo de música, sem nenhum tipo de preconceito, vai entender e aprovar a idéia. Não se trata de impor o latim em substituição à língua vernácula. Mas, no meu humilde ponto de vista, não seria mal se, nas missas dominicais, onde fosse possível, de vez em quando, fosse usado o Canto Gregoriano. Por exemplo: no Kyrie, no Glória, no Credo, no Santo e no Agnus Dei. O nosso povo já sabe o que cada um desses cantos significa no seu todo, mesmo que se ignore a tradução de certas palavras. É o que a gente faz aqui na Abadia da Ressurreição. Os outros poderiam ser os da Pastoral Litúrgica, levando em conta a índole do nosso povo e suas autênticas expressões artísticas, que variam de região para região.O Bispo Diocesano, D. Jaime de Barros Câmara, quando era Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, criou o Instituto Pio X, filial do Instituto Gregoriano de Paris, para divulgar a técnica dos Monges de Solesmes, conseguida após inúmeros trabalhos de pesquisa científica e histórica realizados por eles. D. Jaime dizia que “o valor e a beleza do Canto Gregoriano são tais que de Mozart, ou de outro corifeu da música, se diz que estava disposto a sacrificar todo o seu renome, se pudesse dizer-se compositor do Prefácio Gregoriano”.Não sei se os internautas conhecem este tipo de canto litúrgico. Para quem não sabe do que se trata, transcrevo a definição de S. Pio X: ”É o canto próprio da Igreja Romana, o único que herdou dos antigos e que conservou ciosamente durante séculos, e que propõe aos fiéis como sendo diretamente o seu, e que prescreve exclusivamente em certas partes de sua liturgia”. M. Le Guennant, que foi Diretor do Instituto Gregoriano de Paris, complementa: “Pode-se afirmar que o Canto Gregoriano nos propõe modelos acabados de música viva, logo humana, logo indefinidamente atual e suscetível, portanto, de satisfazer às aspirações das almas sedentas de espiritualidade profunda”.Sto. Agostinho dizia que em Milão ouvia essas melodias e como elas dispuseram sua alma para a conversão. De onde vem este canto? Como e quando começou a ser cantado?Mateus 26, 39 e Marcos 14, 26 contam que Jesus e seus discípulos, depois de cantar o hino, saíram para o Monte das Oliveiras. Pedro Griesbacherf, uma das maiores autoridades no assunto, afirma que foi na primeira Quinta-Feira Santa que nasceu a Liturgia Católica. Mas que hino foi aquele? Não se sabe ao certo, mas, muito provavelmente, se tratou do Hallel (Sl. 113-118), todo ou em parte, ou então, do grande Hallel (Sl. 134-136).Para se ter uma visão panorâmica da evolução do Canto Gregoriano, vamos dividir a sua história em 4 períodos, aproveitando o esquema da Ir. Marie Rose O.P.:
O Começo
Ele nasceu com a Igreja e desde o início foi a expressão coletiva e oficial de sua oração. Na medida em que ela foi se expandindo (entre os gregos, latinos, na Ásia Menor e na África), novos elementos se misturaram às melodias primitivas. Por exemplo: os gregos contribuíram com os MODOS, os latinos, com a notação derivada de acentos gramaticais, os orientais, com as estrofes (que originaram os hinos) e as antífonas. O interessante é que, mesmo com tantos elementos vindos de tantas culturas diferentes, se conseguiu uma unidade, que até hoje ninguém sabe explicar. Tudo o que era particular e que diferenciava, tudo que trazia a marca de raça, temperamento, moda e gosto efêmero foi deixado de lado, conservando-se apenas o que era capaz de unir, o que tocasse o fundo das almas, o que revelava a vida profunda de cada um e de todos.Formou-se, então, um canto coletivo, de caráter universal. Não era a voz de um, não era a obra deste ou daquele, mas a voz, a obra da Igreja. A partir do século III, a língua latina foi adotada pela Igreja Romana, para a sua oração oficial e litúrgica. Nos séculos IV, V e VI, desenvolve-se grande atividade litúrgica e musical (as duas sempre estão juntas).
A Sistematização e Divulgação
Contribuição de São Gregório I (o Magno):a) Recolheu, escolheu, pôs em ordem as peças e deu-lhes um lugar no ciclo litúrgico, formando um repertório ou “antifonário” oficial;b) Reformou e aperfeiçoou os cantos já existentes e em uso;c) Fundou a Schola Cantorum, escola superior de Música Sacra, para que o canto se conservasse puro e intacto, estudado com cuidado e executado sempre de um modo artístico.
Por causa da excelência da obra realizada por São Gregório Magno, o canto litúrgico da cristandade latina tomou o nome de Gregoriano. Sua simplicidade e clareza, sobriedade e precisão, severidade de linhas e harmonia das partes, caráter prático e bom senso logo atraíram a admiração de todos que vinham a Roma. Muitos bispos desejaram, então, adotar a liturgia e o canto de São Gregório em suas respectivas igrejas. No século VIII, o príncipe Carlos Magno trabalhou muito para a sua propagação nas diferentes Igrejas do Ocidente.
A Decadência
a) O abandono progressivo das tradições rítmicas, sobretudo após o emprego do alfabeto para designar as notas, a pauta e claves;b) Surgimento de uma nova maneira de cantar as melodias gregorianas com o início da polifonia vocal. A melodia também sofreu certa deformação. Também o protestantismo, sempre se opondo aos hábitos católicos, lança a moda dos corais a 4 vozes. Assim as melodias gregorianas caem num período de total esquecimento;c) A atribuição arbitrária de durações desiguais às diversas formas de notas, porque se desconheciam as origens da notação gregoriana;d) A amputação das melodias e o modo pesado de cantá-las no Século XVIII. O ritmo e a melodia tornaram-se irreconhecíveis. Perdendo o ritmo, o Canto Gregoriano perdeu a sua alma. A música moderna com seus novos autores que, desconhecendo o sentido das palavras da missa, repetiam-nas a ponto de torná-las enfadonhas e insuportáveis;e) O Renascimento, por causa do seu desprezo por tudo que era medieval.
A Restauração
Em 1847, foi descoberto o manuscrito bilíngüe de Montpellier, por Danjou. Em 1848, o Pe. Lambillotte entregou um preciosíssimo manuscrito de St. Gall, atribuído ao diácono Romanus. Em 1850, um ensaio de restauração, por uma comissão, sob o controle da Igreja, publicou a edição “Reims & Cambrai”. Foi um progresso, mas insuficiente. Em 1856, D. Guéranger, Abade de Solesmes, iniciou com seus monges os estudos dos manuscritos da França e conseguiu resultados surpreendentes, válidos até hoje.Na nossa abadia, tentamos seguir a tradição, na medida do possível, mas inovamos sobretudo em 3 aspectos: cantamos o Ofício em Português, em alguns momentos usamos instrumentos (órgão, violão e flauta) e alguns cantos são cantados em polifonia. Nós gostamos do resultado e a venda dos nossos CDs parece indicar que o povo também aprovou.A Trindade Santa, grande inspiradora dos artistas, a nossa Mãe Maria Santíssima que cantou um dos hinos mais lindos do Novo Testamento, o Magnificat, e o nosso Pai São Bento, que tanto valorizava os artistas e a Liturgia estejam sempre presentes na vida de todos.
D. Elredo França, OSB
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